26 março, 2009

tudo perdido, o corpo cansado, o colapso, as expectativas grandes, e tudo que se quer é um abraço de qualquer pessoa do mundo, as músicas e os filmes e os comerciais de margarina só te fazem chorar, e o travesseiro te faz chorar, e o olhar do gato te faz chorar, e as pessoas te fazem chorar, e o mundo te abraça e você não agüenta de falta de ar, e o mundo te judia, e uma frase solta de um quase-refrão em um carro qualquer te mareja os olhos, e mareja o estômago, e alguém que te lembra outro alguém em algum lugar e te lembra uma situação específica, e essa situação era tudo que você queria, e esse alguém te lembra tanto e ao mesmo tempo significa tão pouco e tanto, e esse alguém te lembra tudo que você foi e ficou pra trás, e você fica feliz, e você não agüenta mais, e então esse alguém aleatório te abre as portas da sensibilidade de novo, e você chora sem saber por que, mas sabendo sim, que é por tudo que nunca mais vai existir, mas que já esteve tão presente e tão palpável, era uma coisa tão palpável que inundava tudo, mesmo só existindo em um lugar específico e nem sendo real, só que isso te pega pelas entranhas e você se pega pensando em como kerouac estava certo quando dizia que toda escrita deveria ser instantânea, mesmo com o tanto de clichês que isso acarreta, porque esse monte de clichês é tudo que nós somos e que nos foi ensinado desde que éramos crianças e não tínhamos noção de nada dessa vida e que nunca nem suspeitávamos que um travesseiro nos faria chorar ou muito menos que um dia nós deitaríamos em um chão frio ouvindo uma só música no repete e em todo refrão você choraria, não por causa da letra, mas porque ela te passa tantas emoções com apenas um ‘ooooh’, e você sabe que essa escrita sem pontos e nem parágrafos é o maior clichê que poderia existir, só que de uma forma ou de outra é apenas tudo o que você sabe fazer, pois as coisas vem chegando e não há tempo para pontos e parágrafos e muito menos para estruturações e escolher palavras para não repetir, e nem para sinônimos e nem para quase nada do mundo, para quase nada do mundo há tempo, há tempo, sim, para tudo que não precisa e não tem razão de ser, mas você escolhe usar esse tempo para se lembrar e sofrer, e ouvir músicas deitado no chão do quarto, quando tudo o que você queria mesmo era sair por aí à noite sozinho, talvez ouvindo a música em algum fone de ouvido, ou na cabeça, ou ao longe em alguma festa qualquer, mas tudo que acontece é ficar parado, parado, e lá se vai mais um dia, e você não viu as pessoas que queria ver, mesmo as que você não conhecia e que cruzaria, por acaso, em alguma esquina, ou sentaria do lado no ônibus, e quem sabe essa pessoa estaria usando o seu tempo também para lembrar e sofrer, e talvez você olhasse para os seus olhos e por uma fração de segundos haveria uma lágrima, mas você não perceberia, porque você nunca encara as pessoas na rua ou em ônibus, pode ser constrangedor por algum motivo qualquer, e essa pessoa não choraria em lugares públicos, porque pode ser constrangedor por algum motivo qualquer, mas e se não fosse, e se você visse, e se houvesse coragem, e se as mãos se tocassem, por um segundo que seja, seria um segundo que valeria uma vida, mas não existe, só existem pessoas que se parecem com outras e te lembram alguma coisa e te fazem chorar pelo simples fato de não existirem mais, e aí tudo se perde

e então vem a vida e te abraça mais uma vez.

11 março, 2009

Brilho eterno

Eu provavelmente não devo ter medo maior do que o de esquecer. Talvez tenha tanto medo porque sei que isso está muito presente na minha vida, esse negócio imbecil de ter sempre um turbilhão de pensamentos na cabeça que vai passando por cima de todas as coisas que eu gostaria de lembrar depois. Às vezes são coisas estúpidas, como o nome do cara que que atuava no Mistério da Economia no período da ditadura (depois de googlear, vi que é Delfim Netto). Outras vezes são coisas realmente importantes, como uma história interessante que se passou comigo ou com algum dos meus amigos. Ou alguma piada. Ou alguma teoria maluca espírita do meu pai.

Fato é que esses dias vi na Nobel um livro que se chama "Onde deixei meus óculos?" e tive muitas ganas de comprar. Cheguei a ler alguns trechos e já ia me preparando para perder R$49,90 da minha poupança quando vi que ele era destinado a um público muito específico: os idosos. Bem, eu tenho 21 anos. Não que eu já tenha perdido meus óculos, mas acho que isso seria realmente a gota d'água. Enfim, coloquei o livro de volta na prateleira e fui disfarçar a minha frustração dando uma olhada na seção de variedades.

Não que eu tenha tido grandes problemas com a falta de memória, do tipo perder compromissos importantes ou ser relapsa na faculdade ou no trabalho. Eu sou bem responsável nesse sentido. Mas as coisas que realmente interessam estão indo embora, sumindo com o vento. Chega ao ponto de, depois de uma coisa bem memorável, eu parar tudo e prestar muita atenção ao meu redor: como está a luz, o cheiro, as cores, a cara das pessoas naquele momento, o que eu estava sentindo... Mas daí acaba que eu vou me lembrar só desse quadro específico que eu montei, e não do emaranhado de coisas e acontecimentos que me levaram a pensar que dada situação precisaria guardar na memória.

As pessoas me contam seus medos e é sempre mais ou menos a mesma coisa: medo da morte, de ficar sozinho, de não amar mais ninguém, de mimimi, de blablablá. Mas nada nunca vai superar o medo do esquecimento. Porque daí pra quê vida? Pra quê viver? Pra quê sofrer tanto, amar tanto, se nem isso vou levar comigo? Por quantos caminhos vou precisar passar, quanta gente vou ter que conhecer, quanta monotonia vou ter que aturar, quantos perrengues vou ter que aguentar, pra um dia tudo ir embora? E o pior, aos poucos. Minhas coisas já estão indo. Alguns momentos eu faço tanta força pra manter sempre vivos na memória que acho até que acabo fantasiando um pouco. Lembro de coisas que nem vivi, a partir de fotografias que minha vó mostra.

E é um saco isso. Tentar lembrar uma coisa simples e não conseguir. Daí faço força, tento, e nada. Até cheguei a pensar que tenho esse problema de memória um pouco por preguiça, porque posso sempre perguntar a alguém do meu lado para ter a resposta. "Como é mesmo aquela palavra? Escarafuncho?", aí a amiga não sabe, eu googleo e é, pois é, realmente, escarafunchar é remexer na terra como as galinhas (definição do Priberam), investigar, procurar com minúcia. Enfim. Fazer o que eu faço com essa minha memória enferrujada.

Coisas, não se percam por aí. Pequenos momentos que eu tanto prezo, não me abandonem. A vida já é tão fugaz... Se eu perder essas pequenas felicidades, nem sei o que será de mim. Afinal, precisava dormir, mas estou escrevendo aqui para não esquecer amanhã de tudo quanto eu queria dizer hoje.

"Feliz é o destino do inocente,
Esquecido pelo mundo que ele esqueceu
Brilho eterno de uma mente sem lembranças".

(Alexander Pope)

06 março, 2009


um cigarro pra escrever, um gato no ombro, uma cerveja para matar a sede, um raio de luz laranja pra fazer sorrir, o dia inteiro lá fora, a noite inteira aqui dentro, a noite lá fora, o dia aqui dentro, o tempo, o tempo, o tempo, as coisas todas, coisinhas, o gato no colo, os livros serenando, a vida lá fora, a morte lá fora, todas as sinapses e emaranhados e tudo, todos os corações que pulsam forte, a grande nostalgia do futuro, um carinho, alguma esperança, algo em que se apoiar, o gato arranhando, os restaurantes fuleiros, o mau-cheiro, a vastidão toda, as pessoas indo e vindo, indo e vindo, a vida sendo uma eterna rodoviária, as montanhas, o mar, ah, o mar. as pessoas, ah, as pessoas. os amores, ah!, os amores.

e eu perdendo tempo.