11 março, 2009

Brilho eterno

Eu provavelmente não devo ter medo maior do que o de esquecer. Talvez tenha tanto medo porque sei que isso está muito presente na minha vida, esse negócio imbecil de ter sempre um turbilhão de pensamentos na cabeça que vai passando por cima de todas as coisas que eu gostaria de lembrar depois. Às vezes são coisas estúpidas, como o nome do cara que que atuava no Mistério da Economia no período da ditadura (depois de googlear, vi que é Delfim Netto). Outras vezes são coisas realmente importantes, como uma história interessante que se passou comigo ou com algum dos meus amigos. Ou alguma piada. Ou alguma teoria maluca espírita do meu pai.

Fato é que esses dias vi na Nobel um livro que se chama "Onde deixei meus óculos?" e tive muitas ganas de comprar. Cheguei a ler alguns trechos e já ia me preparando para perder R$49,90 da minha poupança quando vi que ele era destinado a um público muito específico: os idosos. Bem, eu tenho 21 anos. Não que eu já tenha perdido meus óculos, mas acho que isso seria realmente a gota d'água. Enfim, coloquei o livro de volta na prateleira e fui disfarçar a minha frustração dando uma olhada na seção de variedades.

Não que eu tenha tido grandes problemas com a falta de memória, do tipo perder compromissos importantes ou ser relapsa na faculdade ou no trabalho. Eu sou bem responsável nesse sentido. Mas as coisas que realmente interessam estão indo embora, sumindo com o vento. Chega ao ponto de, depois de uma coisa bem memorável, eu parar tudo e prestar muita atenção ao meu redor: como está a luz, o cheiro, as cores, a cara das pessoas naquele momento, o que eu estava sentindo... Mas daí acaba que eu vou me lembrar só desse quadro específico que eu montei, e não do emaranhado de coisas e acontecimentos que me levaram a pensar que dada situação precisaria guardar na memória.

As pessoas me contam seus medos e é sempre mais ou menos a mesma coisa: medo da morte, de ficar sozinho, de não amar mais ninguém, de mimimi, de blablablá. Mas nada nunca vai superar o medo do esquecimento. Porque daí pra quê vida? Pra quê viver? Pra quê sofrer tanto, amar tanto, se nem isso vou levar comigo? Por quantos caminhos vou precisar passar, quanta gente vou ter que conhecer, quanta monotonia vou ter que aturar, quantos perrengues vou ter que aguentar, pra um dia tudo ir embora? E o pior, aos poucos. Minhas coisas já estão indo. Alguns momentos eu faço tanta força pra manter sempre vivos na memória que acho até que acabo fantasiando um pouco. Lembro de coisas que nem vivi, a partir de fotografias que minha vó mostra.

E é um saco isso. Tentar lembrar uma coisa simples e não conseguir. Daí faço força, tento, e nada. Até cheguei a pensar que tenho esse problema de memória um pouco por preguiça, porque posso sempre perguntar a alguém do meu lado para ter a resposta. "Como é mesmo aquela palavra? Escarafuncho?", aí a amiga não sabe, eu googleo e é, pois é, realmente, escarafunchar é remexer na terra como as galinhas (definição do Priberam), investigar, procurar com minúcia. Enfim. Fazer o que eu faço com essa minha memória enferrujada.

Coisas, não se percam por aí. Pequenos momentos que eu tanto prezo, não me abandonem. A vida já é tão fugaz... Se eu perder essas pequenas felicidades, nem sei o que será de mim. Afinal, precisava dormir, mas estou escrevendo aqui para não esquecer amanhã de tudo quanto eu queria dizer hoje.

"Feliz é o destino do inocente,
Esquecido pelo mundo que ele esqueceu
Brilho eterno de uma mente sem lembranças".

(Alexander Pope)

5 comentários:

Flávia S. disse...

Poxa vida, eu só falei pra usar 'furúnculo' no lugar. uma palavra muito mais legal. Hahahaha

Mas falando sério, Mandi, esses dias comentei com minha mãe de uma história da minha infância que eu tinha me lembrado e ela me disse que não tinha acontecido comigo, mas com minha irmã. Esquisito isso de a gente tomar por nossa algumas histórias que nos contam, né? Acho que é só um exercício pra ver o quanto a gente pode guardar na memória. Ou não e eu estou só falando merda. Enfim. Você é atrapalhada e eu te gosto mesmo assim.
Cê é boba mas é minha amiga.

Anônimo disse...

exato!

Fábio Pupo disse...

no exato momento em que eu li a última palavra do texto, minha mãe gritou "onde será que eu pus meus óculos?" huaehuaeh

Igor Leutner disse...

você não incluiu meu medo de ficar louco? esqueceu? =*

Stefânia disse...

às vezes eu confundo o que eu fiz com o que pensei em fazer.
e sempre esqueço detalhes de histórias (em que ano foi mesmo?) sem esquecer dos seus pormenores (ele usava uma blusa com um broche amarelo...).
viver é um livro de esquecimento. mas as vezes eu me esqueço disso.