É como acordar quando todos já foram dormir. Abrir os olhos, ver aquela luz que caminha pela fresta da cortina e sentir a respiração profunda da casa, em que cada mínimo gesto carrega o horror de ser alto o suficiente. Acordar e sofrer o silêncio asfixiante da noite finda; ouvir a música desajeitada dos primeiros pássaros que - coitados - não tiveram chance de gargarejar ou pigarrear antes de cantar.
E duvidar da cor do céu e das pessoas que acordam cedo, duvidar se se está acordado ou se esse cenário lânguido só existe realmente em sonhos,
- esse pequeno espaço entre alguns instantes de tempo - que horas esse momento é real? -,
o vôo desajeitado de um mosquito do calor; o alaranjado das lâmpadas da rua virando sol. Os passos fúnubres pela calçada, o arrastar-se automático de quem faz o mesmo percurso todos os dias, todos os dias 365 passos e não se passa um ano, mas se chega até o ponto de ônibus, uma corridinha para atravessar a rua e aí não dá pra contar os passos, pois variam, e mais alguns outros tantos, em outros locais e por outros pés, todos caminhando diferentes números para chegar ao mesmo lugar.
Todos indo e você acordando. A casa suspira, e se incha e retrai tanto que chega a parecer um quase-murmúrio. Algum movimento ao fundo - será gente? O caminhão de lixo que passa vagaroso, lúgubre. E um cheiro de saudades tão forte nos lençóis... Então talvez você pense: "Passo tanto tempo aqui, nesta cama, que muito de mim já deve ter ficado nas fronhas, e no canto da parede, e na pontinha do endredon onde encosto a boca, que assim, quem sabe, se um dia eu não dormir aqui, a cama sonha sozinha".
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2 comentários:
O sonho é um mistério...
Lembro que eu tinha um vinil da Xuxa cuja última "música" era a própria narrando como acontece o sonho. Segundo ela, depois que a gente dorme, vamos para uma casa dos sonhos e escolhemos com o quê vamos sonhar.
Achei tão mágico...
Beijo, Audi! Parabéns pelo texto.
OO LOOOOCOO!
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