08 dezembro, 2009

Rebobine

As moscas voam ao redor de uma velha fruteira, uma antiga e empoeirada fruteira verde cor de mosca mesmo, daquelas gordas, pesadas e com um brilho meio furta-cor, que quando aparecem as avós diziam que anunciavam morte. A fruteira, tão sozinha, coitada, tinha com ela umas três batatas somente, que nem frutas eram, mas ela parecia se contentar mesmo assim: cumpria sua função de portar coisas. Nostálgico.

E onde foi que eu vi isso? Era em alguma cozinha escura, talvez meio verde também. Ou então o que eram verdes eram os arames das cadeiras da varanda. Ou os baldinhos com que as crianças brincavam na terra com as mães se desesperando porque lá poderia ter alguma doença. Não sei se isso me dá saudade. É só um quadro vívido na memória. Com cor marcada: lembrança esverdeada.

O que entendo é que se tudo parece estar certo, é só olhar um pouquinho mais para baixo para ver as coisas erradas - podem estar debaixo do tapete. Mesmo assim, lá vem outra coisa que as avós costumavam dizer: "Se alguma coisa parece errada, é porque você olhou demais".

Engraçado é que a todo tempo dizem que sentir culpa pelo passado é uma coisa fora de moda. Não sei, pressinto que essa nova onda de breguice dos anos 80 tenha reavivado nossas saudades e nossos remorsos. Como se vivendo tudo de novo, a gente pudesse mudar alguma coisa. Quem sabe um detalhe aqui, outro ali, e então talvez algum dia a gente chegue aos anos 2000 de novo, mas dessa vez da maneira certa. Sem perdas pelo caminho.

Acho mesmo é que eu andei me perdendo nesses tempos tão entediantes. A culpa está justamente nisso de se perder cada vez mais, mesmo pensando em voltar, e ainda assim cada vez caminhando, caminhando mais à beira do abismo. É tão bonito olhar pra baixo. Acho que a culpa está, na verdade, nessa espera por algum deus ou algo que o valha que saia de suas terras ancestrais, montanhas ou campos, e me tome pela mão e me conte todo o por-vir, ou que pelo menos me olhe nos olhos com seus olhos de tigre branco e me assopre um segredo indígena, que sele minha boca e meus ouvidos e só me deixe ali por um tempo, só me deixe.

Um comentário:

Unknown disse...

adoro seus textos,
amo você