A mãe olha para o filho na noite de Natal. Ele já cresceu, saiu de casa, desaparece cada vez com mais frequência e por mais tempo. O rapaz está sentado à mesa, servindo-se, e é impossível tirar os olhos dele.
"Como cresceu", pensa, e sente-se culpada, porque não se vê responsável por algumas das coisas que estão ali. Como ele aprendeu a falar tão sério assim, sem rir ou avermelhar-se de vergonha? E suas mãos, por quais caminhos passaram para se tornar tão firmes? E os olhos... Os olhos. Eles já devem ter chorado bastante, em momentos em que ela não podia ver. Esses olhos que agoram fitam só a comida e o relógio vez ou outra, os mesmos olhos que a percebiam com tanto fascínio há poucos anos atrás, quando ela ainda era a sua única. Como quando ela estava na cozinha a preparar a ceia de Natal de algum outro ano e sentia aquele olhar fundo, pesado, sobre ela. Ela então se virava e observava o menino sentado à mesa, não fitando a comida, mas sim ela. Ela preparando a sua refeição. Ficavam assim se olhando por alguns segundos. Ela ria, e ele a seguia. Sempre nessa ordem.
Ela caminhou até as costas da cadeira do filho e ergueu a mão para enconstar em seu ombro. Não conseguiu. Ele viraria-se e ela não suportaria aquele olhar. Ele seria mais fundo e mais pesado, porque agora carregado de nostalgia. E culpa.
Deixe que esses olhos continuem olhando todas as coisas do mundo, não me importo, contanto que não olhem a mim. Só verão uma velha cansada, que mal sabe lidar com o que tem e que passa o dia a lembrar do passado. À beira do tanque, do fogão, no sofá vendo novela. Só uma velha. Que eles saiam daqui, saiam logo, não ouse virar a cara para mim, eu já não tenho saúde para aguentar tanta tristeza. Se fosse antes, eu diria "dorme, filhinho", e você fecharia os olhos.
Ela recolhe a mão, limpa a lágrima e vai buscar a sobremesa.
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