30 janeiro, 2009

Sobre pedras e sons

- yeah.

Há alguns anos atrás, não me lembro exatamente quando, eu estava faminta por música. Queria conhecer mais, sair da mesmice, ver o que havia de diferente no mundo. Não fui atrás de conhecer a CDteca dos meus pais (que era um coisa assim impressionante e assustadora, centenas de CDs de música brasileira dos mais diversos estilos) por pura rebelião juvenil. Eu não precisava de MPB, mas de rock. Rock dos bão.
Então lembrei de um amigo meu. Ele é uma daquelas pessoas queridas que a vida leva pra tão longe que até o mundo cibernético é incapaz de suportar a distância. E aquele safado sabia de música... Enfim, estava conversando com meu amigo e pedi a ele que me apresentasse a alguns sons legais. Ele respondeu que não. "Não. Você precisa conhecer por você mesma. Tem que bater aquele feeling de do it yourself, de procurar, ver o que você gosta e o que não gosta... Seja independente, essa é toda a grandeza do mundo". Depois não se conteve. Disse: "Tá, mas pra começar, você TEM que ouvir uma música. Incrível. Chama-se Gimme Shelter e é dos Stones". E me mandou a dita-cuja.
Oh, a storm is threat'ning
My very life today
If I don't get some shelter
Oh yeah, I'm gonna fade away
Foi tipo UAU. Daí ouvi de novo. E de novo. E de novo. Depois li a letra. E foi como uma revolução no meu pequenino coração. Era tudo aquilo que eu precisava: um bando de caras loucos, suados, descabelados, falando verdades em meio a berros e solos de guitarra.
War, children, it's just a shot away
It's just a shot away
I tell you love, sister, it's just a kiss away
It's just a kiss away
"A guerra está a um tiro de distância. O amor está a um beijo de distância", meu amigo me disse. E não é que é? É sim. Me lembrei de uma conversa que havia tido algum tempo antes com outro amigo. Nós concordamos que começar a amar uma pessoa é uma coisa muito fácil. É só ficar olhando, admirando seus detalhes, se impressionando com cada coisinha que ela fizer, fazer um esforço para ela se tornar extremamente interessante. Pronto. Você está interessado nela. A partir daí o bicho pega. Mas isso não interessa. A coisa é que a distância que separa a indiferença do amor é um beijo; a paz da guerra é um tiro; o estranho do normal é o uso; o bom do ruim é o tempo; o cara normal do grandioso é a morte. E assim vai.
Esse foi o começo da minha jornada musical. Poderia ter voltado mais o relógio, para contar do grande salto que eu dei aos 10, 11 anos, quando decidi que iria gostar de Hanson (heh) porque eles, pelo menos, cantavam, compunham e tocavam as próprias músicas. Decidi, naquele momento, alguns fatores básicos que determinavam a chamada 'música boa'. Mas foi depois de Gimme Shelter que eu descobri o rock clássico. Pink Floyd, Led Zeppelin, Bob Dylan, Janis Joplin. E esses dinossauros me levaram à todas as outras coisas que eu antes nem imaginava que existiam: a psicodelia dos mutantes, a bossa nova super-minimalista, o chico, o brilho brega dos anos 80, os garotos sujos do grunge, o rock dançante do começo dos anos 2000, e a mistureba que é hoje. Samba-rock, jazz 'n roll, tango eletrônico e outras maluquices a parte que fazem o mundo ficar mais bonito. E tudo começou com um riff pirado dos Stones.

27 janeiro, 2009

Monotema


Dando uma pausa no revival do Diazepam, um textinho bem bobo de uma madrugada qualquer.


Não sei amar. Ou sei no mesmo tanto em que sei outras tantas coisas - mal e porcamente. Por exemplo, posso dizer que entendo de política, mas na verdade tudo que tenho são algumas opiniões quase que cravadas em pedra, que não seguem muito bem um parâmetro de coerência. Sei que sou de esquerda, mas do jeito que as coisas estão, fica difícil apontar o que é esquerda e o que não é. Se eu disser, também, que entendo de música, caíria no mesmo ciclo vicioso. Digo que gosto de música boa, e aí se encaixa um pouquinho de tudo. Mas música boa é puro gosto pessoal. E eu que até pouco atrás só ouvia música 'velha', ou como diz meu amigo Pedro, "de gente que já morreu"... Faz pouco tempo que eu realmente perdi o preconceito com os artistas mais novos. Já cheguei a dizer que Radiohead é som pra querer morrer e que todo o rock de hoje é só um amontoado de guitarras e baterias ritmadas de modo a fazer dançar (e vender). Quanto sacrilégio...
Enfim, não sei amar. Não sei nem se alguém sabe, mas me parece que sim. Pelo menos isso é uma coisa que me atormenta o dia todo. Tem gente que realmente parece saber o que fazer, onde colocar as mãos, o que dizer, quanto tempo esperar, em que momento calar. Bom, da mesma maneira todo mundo parece estar se fodendo o tempo todo. Digo no sentido de se dar mal mesmo. Todo mundo que eu conheço tem uma ou duas ou mil histórias de corações partidos e dor imensurável. Por isso que digo: é difícil de acreditar que a sua alma gêmea vá aparecer justamente na sua vida. Ou que ela tenha nascido em algum lugar próximo a você, ou que trabalhe no mesmo lugar que você, que tenha a mesma idade, os gostos parecidos, que fale a mesma língua, que seja do sexo oposto... Não, teria que ser muita coincidência. Não é possível. E também, se isso por ventura acontecesse, você iria estragar tudo.
Eu sinto amor, mas não é por uma pessoa só ou por uma determinada coisa. É um amor destrambelhado, como um elefante em uma loja de cristais. Segue torto e atropelando tudo, quebrando tudo, deixando dívidas, dando enormes dores de cabeça. Porque não se contenta com um alvo só - "bom, já que quebrei um copo, que quebremos todo o resto". E vai assim.
Meu amor pode ser resumido em um velhinho tocando sanfona na Praça Osório. Ou então em um gordinho chorando. Ou naquele momento em que as pessoas se tornam únicas. Poderia ser um sorriso banguela. Um cão preso à coleira. O terço no túmulo do meu avô.
Fico vendo essas pessoas que sabem falar das coisas que gostam. Eu não sei de quase nada. Sei que tenho uma grande tendência à melancolia, e até sinto falta dela em momentos de felicidade monótona. Queria falar sobre tudo quanto gostaria de entender, mas insisto em voltar ao mesmo tema que menos entendo no mundo, que sou eu e minha grande estupidez.

26 janeiro, 2009

Eu vejo tudo enquadrado

Remoto controle. Bem remoto. Por mais que eu tente observar as coisas com um certo distanciamento, não me envolver demais, percebo que aí está o grande desafio (principalmente considerando a profissão que escolhi): a verdade é que eu amo demais as pessoas. Não o amor caridoso que é aquilo de amar para gostar mais de si próprio; não, é ao contrário, é amar sem querer amar. É odiar amar, mas continuar amando.
Amo a todos, muito e apaixonadamente. Amo as pessoas que andam de ônibus e enconstam a cabeça no vidro para descansar; amo as crianças que comem algodão doce usando as máscaras de Bob Esponja que vêm na embalagem; amo os velhinhos que cheiram a armário e ficam sentados em uma pracinha o dia inteiro, a observar o movimento; amo tudo aquilo que me dá medo, que é essa vida normal e cotidiana que todos nós vivemos. É, realmente, uma relação de amor e ódio. Como apreciar essas coisas tão medíocres? Não sei.
Não sei explicar. Só sei que amo. Os bêbados e sua constante vergonha; os pobres e sua revolta; os frentistas dos postos que trabalham de madrugada; os atendentes de telemarketing; todos os malditos que a Iasa conta. Tanto amo que sinto vontade de beijar cada um deles, a sua dor pungente, de lhes dar a mão e mais o braço, e beijar-lhes também os pés, que são abençoados.

22 janeiro, 2009

Minha vida querida

Quando nasci, veio um anjo torto e me disse: não disse nada, e se dissesse eu provavelmente não entenderia mesmo. Só sei que nasci, que um anjo me viu e que desde então tudo que faço é olhar. 
Na casa da vó, quando ela ainda morava na pequeníssima e sereníssima Oriente, eu sumia por horas. Ficava a observar os pequenos detalhes daquela decoração kitsch que é coisa tão característica de avós. Havia uma caixinha de música que, meu Deus, nunca mais encontrei algo tão fascinante. Tinha uma flor no meio de um monte de água, e brilhava em verde e azul. E a bailarina rodopiava, presa por um ímã. Eu apagava a luz e ficava a mirar. E também as flores miudinhas vermelhas, as panelas amassadas, o cachorro velho, os sacos de amendoim do vô, os puxadores de cortina que eram pompons espalhafatosos, os contornos do piso da área, a flor que minha vó chamava de língua-de-gato e sempre me dizia que apanhava da sua mãe com ela porque ardia, a campanhia antiga cor bege, aliás tudo era bege, o sofá era bege, o fim de tarde era bege, às vezes laranja, só os shorts da tia que eram roxos e de cotton, a cortina de rolinhos de madeira que separava a cozinha da sala e era uma diversão ficar passando pelo meio, o corredor que não tinha nada, o medo de dormir lá à noite, as histórias de fantasma da minha vó, que sempre disse que a gente tem mais é que ter medo dos vivos e não dos mortos, o vô sempre quieto, o vô sempre lendo, o vô e a vó vendo jogo do Palmeiras, o vô me ensinando a andar de bicicleta, o vô que me dava dinheiro e eu ficava com peso na consciência porque eu devia tê-lo beijado mais, a cor da noite quando a gente voltava pra casa, a estrada era escura e as coisas corriam tão rápido, eu sempre via a morte ali no meio, correndo do lado do carro, pensava baixinho uma oração para ela não levar meu avós, ia rezando, olhava a morte por trás de cada árvore.
(porque eu vi um filme uma vez em que a morte queria entrar para levar um filho, e os pais fecharam todas as portas e janelas da casa, e a morte era uma luz verde e azul, e eu não lembro se ela entrava)
(e também tem uma história que meu pai me contou uma vez, quando ele lia pra mim antes de dormir - ele fez isso até eu ser bem grandinha, e eram sempre contos do Malba Tahan - e se chamava Minha vida querida. era sobre um homem que recebe a visita da morte, que lhe anuncia: "vim levar sua mulher". ele se desespera, pois ela é o amor de sua vida, e diz: "não faça isso! vamos negociar". eles, o homem e a morte, discutem então uma maneira de deixar a mulher viver. depois de uma longa discussão, o homem descobre que tem ainda mais 40 anos de vida, então propõe que, desses 40, 20 sejam dados a mulher. assim, os dois poderão viver juntos por mais vinte anos. a morte aceita. passa a noite. no dia seguinte o homem acorda e vê que sua mulher está morta. desesperado, clama pela injustiça. a morte ouve o chamado e explica: "esta noite seu filho ficou doente e esteve prestes a morrer. quando vim buscá-lo, sua mulher me disse: 'dê todo o meu tempo de vida a meu filho'. você demorou horas para dar metade de sua vida à sua mulher, mas ela deu sua vida inteira ao filho sem para pensar nem por um segundo". o homem se envergonhou)
Aos oito anos, a maior diversão era deitar no chão do jardim da escolinha e ficar olhando as outras pessoas por entre as folhas. Tinha um buraquinho certeiro, do tamanho dos meus cotovelos apoiados no chão. Como meu pai sempre atrasava muito para ir me buscar, eu me escondia ali e ficava observando os outros alunos saindo da aula, arrumando a mochila, dando um beijo na mãe ou na tia da kombi, indo embora. Me pergunto o que as outras pessoas pensavam ao me ver ali, de barriga na terra, pés pra fora, só observando a vida que ia embora.
Queria voltar a olhar assim. Queria, pelo menos, ter beijado mais meu avô.
abri meu coração, isso é tudo que sou, chorei.

Seguindo a idéia do meu amigo Sandova, vou postar aqui alguns textos publicados originalmente n'O Diazepam. Só para guardar mesmo. :)

09 janeiro, 2009

Ando percebendo uma tendência em vários blogs por aí, que é aquele negócio de fazer retrospectiva do ano que passou. Como eu não sou boba nem nada e nem quero ficar fora da moda, vou fazer a minha também.

2008 foi o ano...

1. ... de algumas paixões musicais avassaladoras, que não tiveram muito uma ordem, elas mais se misturaram, sem começo nem fim. Foi ano de amar Radiohead, Elliott Smith e The Arcade Fire. Claro que tiveram outras bandas, um pouco menos amadas, confesso, mas que ainda assim contribuiram com todos os meus momentos de fossa dolorosa ou alegria exultante.

2. ... de correria. Nunca corri tanto, especialmente em alguns meses do segundo semestre. Me dediquei inteiramente à faculdade, aos trabalhos, aos estágios e, também, aos amigos. Muitos desafios e, sinceramente, nunca me senti tão feliz quanto estando nesse ritmo intenso. É disso que preciso, para conter o horror à rotina e ao tédio.

3. ... de descobrir que, afinal, eu não controlo a minha vida. Não, nem um pouquinho. Nem por um segundo. Quer dizer, pelo menos não as coisas que mais importam. Droga.

4. ... de querer viver e querer morrer e querer viver e querer morrer e querer viver e querer morrer e assim por diante. Não que eu realmente quisesse morrer (coisa que choca a maioria das pessoas), é só uma maneira de dizer que, bem, intensidade é uma coisa que existe e está aí.

5. ... de me apaixonar perdidamente pelo Jornalismo. E que paixão arrebatadora, que me acaba com a saúde e com as noites de sono, me faz ter idéias malucas e que encontra parceiria e lugar para crescer em alguns dos meus amigos mais queridos, que também resolveram apaixonar-se no mesmo período. Antes nos faltava maturidade, agora nos sobra paixão louca.

6. ... de me surpreender cotidianamente com pessoas extremamente interessantes que, coincidentemente - e felizmente - acontecem de ser meus amigos.

 7. ... de.... ah, sei lá. Esse ano foi tão importante em tantas maneiras diferentes que até me perco ao pensar o que aconteceu em 2008 e não em outro ano qualquer. Tudo já está guardado e misturado na minha história, já não há mais datas. Só sei que foi bom. E não pode ser separado do resto, porque tudo isso que eu vivi é o que eu sou, que me tornam eu. Se é para melhor ou pior eu não sei. Só sei que estou vivendo tudo o que me aparece pela frente. É bom sofrer, é bom ser alegre, eu sou os dois. Por isso sou feliz. Acho. Enfim, tudo é cíclico, como bem aprendi com a família Buendía, de Cem Anos de Solidão. Por isso, pra 2009 não espero nada mais do que todo a felicidade e a tristeza que me acompanharam por 2008, só que com roupagens diferentes.

08 janeiro, 2009

O filho que eu quero ter

A mãe olha para o filho na noite de Natal. Ele já cresceu, saiu de casa, desaparece cada vez com mais frequência e por mais tempo. O rapaz está sentado à mesa, servindo-se, e é impossível tirar os olhos dele.
"Como cresceu", pensa, e sente-se culpada, porque não se vê responsável por algumas das coisas que estão ali. Como ele aprendeu a falar tão sério assim, sem rir ou avermelhar-se de vergonha? E suas mãos, por quais caminhos passaram para se tornar tão firmes? E os olhos... Os olhos. Eles já devem ter chorado bastante, em momentos em que ela não podia ver. Esses olhos que agoram fitam só a comida e o relógio vez ou outra, os mesmos olhos que a percebiam com tanto fascínio há poucos anos atrás, quando ela ainda era a sua única. Como quando ela estava na cozinha a preparar a ceia de Natal de algum outro ano e sentia aquele olhar fundo, pesado, sobre ela. Ela então se virava e observava o menino sentado à mesa, não fitando a comida, mas sim ela. Ela preparando a sua refeição. Ficavam assim se olhando por alguns segundos. Ela ria, e ele a seguia. Sempre nessa ordem.
Ela caminhou até as costas da cadeira do filho e ergueu a mão para enconstar em seu ombro. Não conseguiu. Ele viraria-se e ela não suportaria aquele olhar. Ele seria mais fundo e mais pesado, porque agora carregado de nostalgia. E culpa. 
Deixe que esses olhos continuem olhando todas as coisas do mundo, não me importo, contanto que não olhem a mim. Só verão uma velha cansada, que mal sabe lidar com o que tem e que passa o dia a lembrar do passado. À beira do tanque, do fogão, no sofá vendo novela. Só uma velha. Que eles saiam daqui, saiam logo, não ouse virar a cara para mim, eu já não tenho saúde para aguentar tanta tristeza. Se fosse antes, eu diria "dorme, filhinho", e você fecharia os olhos. 
Ela recolhe a mão, limpa a lágrima e vai buscar a sobremesa.